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Sintra/Miranda do Douro, Portugal
Gosto de pintar,de escrever e de fazer trabalhos manuais.Sou simples e verdadeira. Tenho que pôr paixão naquilo que faço, caso contrário fico com tédio. Ensinar, foi para mim uma paixão; escrever e pintar, continua a sê-lo. Sou sensível e sofro com as injustiças do Mundo. A minha primeira língua foi o Mirandês. Escrevo nessa língua no blog da minha aldeia Especiosa em, http://especiosameuamor.blogspot.com em Cachoneira de Letras de la Speciosa e no Froles mirandesas.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

A tua primeira mala

(Imagem da net)

A tua primeira mala de viagem não era de cartão.
Meteste lá coisa pouca: vestuário velho, outro novo, uns sapatos de pele de bezerro feitos pelo sapateiro de Sendim, uma mão cheia de timidês, outra menos cheia de sonhos. Ninguém pode ter grandes sonhos quando os horizontes nada nos desvendam. Mesmo assim, acho que eras muito sonhadora. Os teus sonhos tinham uma passada pequena, isso sim!
Coisa pouca, cabe numa pequena mala de madeira. Era vermelha com uma ferragem forte, negra, onde encaixava a fechadura. Junto à ferragem uma asa pregada com pregos. Uma autêntica caixa de ferramentas. Pintade de vermelho, ligeiramente rectangular, linda.
As camisas de noite foram posteriormente mandadas fazer à pressa, depois de a tua mãe ter recebido o recado de que na cidade não se dormia com a combinação usada durante o dia. Chegaram tempos depois, o tempo de comprar o tecido na feira e a tia Clementina as fazer na máquina de costura. Éram de franela com flores. Duas mudas de camisas de dormir e combinações porque o inverno estava para chegar. Uma combinação igual a cada camisa, que, cortando duas peças do mesmo pano, sempre se poupavam uns centímetros de tecido que ainda poderiam dar para fazer um par ou dois de cuecas.
Chegaram quando a tua mãe arranjou portador que fosse a Miranda, num saco de retalhos, apertadas contra a fogaça de trigo, dentro duas alforjes de bolras, em cima duma burra.
Mesmo que tivesses visto aviões, aquelas pontinhas reluzentes a deitar fora riscos de fumaça, a passar entre as núvens ou a cortar o céu limpo, houve um tempo em que dizias que ias para o Brasil, com a Virgínia, na burra ruça da avó Ana. Parece-me que não te pareceu verdadeira a história àcerca dos aviões, quando te contavam que lá iam pessoas.
A Virgínia partiu, mas a burra ruça nunca se aventurou a tal viagem.
De São Paulo mandou-te, anos depois, um lenço para a cabeça, que ainda guardas como relíquia, com outras coisas que igualmente estimas, numa caixinha de cartão. Nele foste dependurando sonhos, vaidades, desilusões, alegrias.
Hoje é apenas uma relíquia onde passas a mão quando vais ver se entrou a traça na caixa. É tão macio quando o encostas aos lábios! Cada vez que o olhas e lhe dás um beijo, é um beijo que dás à Virgínia, por te ter oferecido uma vaidade tão singela, tão suave.
A Virgínia já faleceu. O lenço está lá, a contar a história

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