Acerca de mim

A minha foto
Sintra/Miranda do Douro, Portugal
Gosto de pintar,de escrever e de fazer trabalhos manuais.Sou simples e verdadeira. Tenho que pôr paixão naquilo que faço, caso contrário fico com tédio. Ensinar, foi para mim uma paixão; escrever e pintar, continua a sê-lo. Sou sensível e sofro com as injustiças do Mundo. A minha primeira língua foi o Mirandês. Escrevo nessa língua no blog da minha aldeia Especiosa em, http://especiosameuamor.blogspot.com em Cachoneira de Letras de la Speciosa e no Froles mirandesas.

sábado, 10 de dezembro de 2016

E eu...


E eu...
Já a sombra me cobre o chão.
Qual chão, qual sombra?
Como posso ver a sombra 
se não há chão nem lua,
se a noite é breu e eu cega?
Caminho na vereda,
os passos dormem,
a água do ribeiro descansa,
a árvore retrai-se
com o piar do mocho
que lhe pousou em cima.
Sem ver, a árvore assustou-se,
cresceu-lhe um arrepio na raiz,
tremeu o tronco,
balançaram os ramos
e nem uma brisa corria.
Ouvi o som da queda
do gelo que os vestia.
Tive medo, tanto medo!
Ao mesmo tempo
passou-me o gelo na espinha,
o mocho rasou-me o rosto
e muito mais eu tremia.
É mau prenúncio, pensei…
O mocho rasou-me o rosto,
o gelo gelou-me a espinha…
Nem sombra, nem lua nem chão!
Cega, a noite…
E eu…

quinta-feira, 8 de dezembro de 2016


Gotas



Deslizam gotas do colo
quando te penso.
Serão lágrimas
que se feriram em quedas repentinas,
ou serão pingas de chuva,
 ou serão pérolas de orvalho?

Aí, descanso as penas,
as mãos cansadas,
as gretas que hão-de amaciar,
asperezas  de vidas gastas
 tempo de urgência a passar.

Já o Outono se está a escapar…
e eu que fujo do Inverno
como o diabo da cruz!
Já os rebentos começam a dobrar,
já as vontades enfraquecem,
 já o querer às vezes entorpece,
 já as forças mareiam ao girar.

Segura os minutos às golfadas que dão a frescura!
Prende as horas para que a jornada te renda!
Aprisiona os dias para que a empreitada seja longa
mesmo que a soldada não te seja paga!

Deslizam gotas do colo
 quando te penso.
Cubro de terra as sementes,
 esperança de colheira
vencida que seja a invernada…




(em Mirandês) 
 Pingas 




Sgúbian-se pingas  de l rogaço
quando te penso.
Seran lhágrimas
que se scalabaçórun an caídas repentinas,
ou seran pingas de chúbia,
ou seran pérolas d´ourbalho?

Descanso ende las penas,
las manos cansadas,
 grietas que hán-de amerosar,
coscurones de bidas  a zlir,
tiempo d´ourgéncias a passar.

Yá l outonho se stá a scapar…
I you que fujo de eimbierno cumo diabo de la cruç!
Yá las fronças s´ampéçan a drobar,
yá las ganas se debélgan,
 yá l querer a las bezes s´angaramona,
yá las fuorças maréian a barimbar…

Sigura ls minutos a las golfiadas que dan l tempeiro!
Prende las horas para que la jeira te rinda!
Apeia ls dies para que l´ampreitada seia lharga
anque la soldada nun te seia paga!

Sgúbian-se pingas de l rogaço
 quando te penso.
Acubro semientes,
 sprança de muolo

bencida que seia l´ambernada…

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Contigo digo-me, eu mesma!





Quando me digo contigo,
É como nadar nas águas limpas dum ribeiro,
mexer as pernas sem agitação
para que as águas não turvem,
o cantar dos pássaros  não se perturbe,
os peixinhos venham em cardume às minhas mãos,
me façam cócegas
e tu língua minha,
com palavras me venhas a curar do riso.

Deitada  nesse ribeiro, sobre o céu,
Vejo o céu real por cima,
azul infinito com castelos brancos
onde vou escrevendo com tinta
que dele sorvo.
 Assim fico.
Palavra atrás de palavra
que tu me vais ditando,
orquestra afinada de letras,
sensível som,
equilibrada entoação,
música de palavras que me embala
me faz dançar por dentro.

Uma nuvem está já cheia.
Passo para outra.
Uma partitura acabada.
Vira-se a folha.
Mais um violino a fingir que chora,
rouxinol na ponta dum ramo dum salgueiro,
mais sons, mais palavras,
mais cantares doutros passarinhos,
a água a correr,
o sangue a aquecer,
as palavras a nascer.
Mais peixes a espreitar o meu corpo nú,
eu escrevendo o céu,
deitada sobre o céu,
ribeiro de águas cristalinas de palavras,
contigo.

Uma brisa sacode as nuvens,
as palavras vêm voando em carreirinha,
fazem cascatas ao chegar,
ajeitam-se,
tomam o seu lugar,
juntam-se em escada,
caiem,
reorganizam-se,
umas vezes são de seda,
outras vezes de cantaria
e terra enregelada.

Contigo  digo-me,

 eu mesma!

sábado, 15 de outubro de 2016

Contigo




Rio Douro em Miranda do Douro-  Portugal


Na quietude do teu leito
faço a cama
e descanso das rotinas
que não suporto.

Há horas
que de tão inúteis me deslaçam
e há momentos
que me tonificam os sentidos.

No correr tumultuoso das tuas águas,
a poesia agita-se,
urge correr atrás de ti,
ás vezes tropeço, outras avanço,
outras há em que me perco.

Depois,
apanho-te dianteira na corrida,
cortaram-te o caminho,
de susto espumas
mas segues depois calmo, sonolento.

Enlaçam-te as pontes,
as gaivotas saúdam-te,
o mar abraça-te e vai-te levando
e é nesse ir que eu vou...
Contigo.
Mar fora,
agitando horas mortas...

Foto de Eduardo Domingues

Voo












Sou aquela que procura paz
E que nem sempre a encontra.
Sou um puzzel onde há uma peça
Que não encaixa.

Resvalo…
A custo levanto-me e continuo a resvalar.
Em tudo resvalo
No tempo que não tenho e no tempo que me sobra
Nos caminhos tortuosos e nas alamedas perfeitas
Nos rios limpos e
Nos pisos gelados e nos caminhos secos.
Resvalo...
E embato contra mim própria.
nos lagos lamacentos
Vasculho…
Há sempre algo que não encontro
Algo que se perdeu
Numa núvem de poeira.
Os olhos procuram, lacrimejantes
Em pestanejar constante.
Fixos e ausentes deixam de pestanejar
E de repente
Algo vislumbram
Num canto esquecido, amarelecido.
Será essa a peça que procuro
Aquela que me falta encaixar?
Tento arrancá-la à força
Mas não a posso despegar.
Desvio o olhar
E não há nada.
Caminho...
Continuo a minha vida
A paisagem onde falta
Um pedacinho de azul no céu.
Voo ...
Em direcção ao azul.

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Cheiro com cores de especiarias


                                          Imagem da net



Há dias em que a chuva chega sem bater à porta, molha as soleiras e os parapeitos, a roupa do estendal que deixei enfeitado com cores de roupa de verão e leveza de esvoaçantes de festas. Vem e pronto. Quando dou conta já nada há a fazer. Aventuro-me à chuva para salvar algumas peças dos sopros do vento e, antes de concluir o intento, já estou como um pintainho acabado de sair da casca do ovo.

Há dias em que na cidade me faltam coisas que tenho no campo. O contrário também é verdadeiro.
Estivesse eu na aldeia e a chuva não me fintaria desta forma! O chão estava sequioso e, aos primeiros salpicos, despertar-me-ia os sentidos com o cheiro forte a terra molhada. Teria corrido para o estendal e deliciar-me-ia com o gotejar dos primeiros pingos e, passando debaixo do beiral, não levaria ainda com os riozinhos suspensos que me encharcam a cabeça até os miolos e me fazem arrepios nos ossos.

O cheiro a terra seca depois de ter sido salpicada levemente pelo primeiro borrasco,  traz-me a imagem de especiarias garridas, das que se podem ver nos mercados da Grécia, de Marrocos, da Turquia e tantos outros lugares como já vi também em Marselha num mercado de rua. Acho que aquele cheiro, se se pudesse identificar a cor dum cheiro, eu diria que seria vermelho, misturado com terra queimada e um pouco de laranja, de açafrão. Quente, forte, sensual. Da cor da terra em muitos sítios de África. Talvez a minha identificação de cor num cheiro, como muito quente, me venha mais desta terra do que propriamente das bancadas de especiarias que já vi em diversos lugares. Aromas cor de terra. Vermeilhos alaranjados.

Há tantas coisas que na aldeia me fazem tanta falta e que a cidade me dá. Quando chego venho faminta: De cinema, de concertos de música clássica ao ar livre tão frequentes nos jardins de Lisboa e Sintra durante o Verão ou em salas a preços mais convidativos, bailados, museus.
Sou um passarinho livre de campo, mas a cidade fascina-me e faz-me falta e, o mar é ópio que me leva para além dos limites da imaginação.

Há dias em que na cidade não sinto que a chuva me deva trazer o cheiro das cores quentes da terra quente e seca porque simplesmente a acho linda e abençoa e há dias de chuva que me pesam sobre os ombros toneladas.

sábado, 8 de outubro de 2016

Diz-me









Diz-me das brisas
que te fazem acordar
com um sorriso a cheirar a alfazema;
 diz-me dos sonhos
que te despertam o olhar
sem bocejos
a pedirem cafeína.

Caminho cambaleante
e passo pelo dia
sem lhe dar os bons dias.
Depois ele saúda-me
e segura a minha chávena de café
pelo aroma que me vai oferecendo
à medida que os reposteiros dos meus olhos
 se vão abrindo lentamente.

Diz-me porque adormeces
como  o vento a calar-se num sopro
e a vida a parar num momento.
Porque te enrolas na noite
como jasmim  na laranjeira
e nem em pesadelo cais no campo de alfazemas
que o romper do dia te oferece?

Bendita cafeína,
droga concentrada a indicar-me
o invisível caminho da manhã!...

Diz-me…

terça-feira, 2 de agosto de 2016

Histórias para “nanar” A NUVEM BRANCA



Há uma nuvem branca tão linda no céu e o céu está tão azul!, dizia a menina, quando, deitada com a avó para que esta lhe contasse a história de sonhos, olhou através da janela.
Verdade, Violetta! Lindíssima!
Qual história queres que te conte?
A da nuvem branca,… respondeu.
“Na verdade, a volta ao mundo num mastro dum barco de cruzeiros não é o melhor da vida. Estou tão cansada e desejosa de ver a minha família!” Foram as primeiras palavras da gaivota logo que avistou os penhascos onde sempre tinha passado as noites, com a mãe, pai e irmãos.
Era uma nuvem branca, tão branca e tão fofa que era mais fofa que algodão e mais branca que neve. De onde em onde, uns laivos de azul e cor de rosa, dum tom desbotado.
Uma gaivota queixava-se da sua vida sem interesse: Que vida a minha nesta haste de bandeira, em barco de pescadores! É certo que apanho muito peixe, mas de que me serve andar bem alimentada se não há aventura neste modo de viver? Dizia isto como se estivesse a falar para outras gaivotas afastadas. (Uma vez, tinha decidido voar para longe, mas pouco depois, estava tão fraca!...Certa de que não estaria longe, regressou).
Nisto, a haste mexeu-se, balançou e a nuvem branca aproximou-se, perto, tão perto,… que quase as suas vestes brancas tocavam no mar. A gaivota pestanejou, curiosa… No meio da nuvem abriu-se uma brecha de onde saía uma voz que dizia: Olha, eu posso arranjar-te um barco grande!
A gaivota arregalou os olhos, deixou cair a cabeça para o lado da nuvem para se certificar se era voz de verdade ou se tinha delírios. Nisto, uma fada vestida com um vestido branco até aos pés, agitou a varinha de um lado para o outro e disse: Fada Lylly, vai trazer-te um barco de cruzeiros, aqui!...
Num instante o barco apareceu. Branco, grande e com tantas janelas como o hotel que a gaivota avista do seu penedo.
Agora tenho que ir! Tenho seis filhas na nuvem, a quem ando a ensinar a minha arte.
Entrou, a nuvem subiu e ficou a flutuar no céu, por cima do navio.
A gaivota poisou no mastro e, ainda antes do sol posto, deixou de ver terra e o penhasco.
A nuvem branca seguiu sempre no céu, por cima do navio...
Nisto, a nuvem foi-se abrindo, separando, dividindo, até que se formaram sete pequenas nuvens brancas, tão brancas e fofas como era a primeira.
Uma brisa ligeira foi-as embalando,… levando…
Ao cair da noite fixaram-se parecendo coladas no céu…Sete nuvens. Suspensas do céu. A maior, a da fada Lylly.
As fadinhas dormiam cada uma em sua nuvem para se habituarem a não ser medrosas.
Ao nascer de l sol, a brisa soprava, soprava…
As nuvens voavam em direcção às outras até que se formou novamente a nuvem branca,… grande, fofa,…onde a Lylly ensinava as coisas da vida às fadinhas.
Passaram muitos dias, muitos meses. A gaivota conheceu cidades, enjoou em mares de tormentas, entrou nos salões de festas onde tudo brilhava, vestiu-se de dourado e prateado,… bailou esvoaçando, tocou guitarra, cantou….
Um dia sentiu falta da sua família e ficou triste…
De onde estava, num país de longe,… muito longe… um país lindo, … muito lindo, um país chamado Sol Nascente, avistou o seu rochedo enquanto o diabo esfrega um olho…
Foi a fada Bi, vestida de cor-de-rosa claro, que, com a sua varinha mágica, lhe arranjou forma de regressar a casa, levada por um feixe de luz…

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Poemas à solta

 
Solto uma frase ao acaso
e ela voa ligeira.
Junta-se a outra, e mais outra,
como se a frase fosse gente,
gente que grita em revolta,
criança com fome que chora,
nasce o poema à solta,
mas sem liberdade completa.
Engole o receio, o poema,
de ir parar à rua fria,
caminha livre, quiçá escravo,
esfrangalha-se todos os dias,
no bolso não tem um "chavo",
mas medo de ser despedido.
Sobram-lhe dias ao poema,
faltam letras ao jantar.
Sobra-lhe a raiva ao poema
e a vontade de gritar...
Sai do livro,
vai para a rua,
põe o cravo na lapela
e solta a voz aprisionada.
solta frases, liberta letras,
sobe ao palanque,
fala de Abril, liberdade.
Pois que culpa tem Abril
de que o mundo não avance?!
Poemas!
Poemas somos nós todos,
sejamos com rima ou sem rima!
Temos que acabar com aqueles
que comem a antologia!
A antologia e os livros,
o trabalho e a dignidade,
contra os corruptos gritemos,
por Abril, em liberdade!

sábado, 2 de abril de 2016

Primaveras que tardam, Verões que escaldam





Segredos do Inverno aberto aos quatro ventos
entram Primavera fora e não há quem os detenha.
Esvoaça a neve sobre os rebentos dos freixos,
a neve cobre os chougarços prontos a parir.
A cerejeira encosta o ouvido à pereira e pede-lhe remédio
para segurar a brancura que está quase a assomar-se.
A pereira diz-lhe: Se quiseres que o teu vermelho
sirva de pecado a todos quantos olhos passem,
tens que suster as contracções do parto.
Há ventos que ferem os sentidos,
caiem os frutos por lhe haverem cortado o cordão,
rente ao umbigo,
neblinas que confundem os olhares das flores acabadas d´abrir,
segredos dum tempo que ninguém é capaz de descobrir.


Primaveras que tardam, Verões que escaldam.



(An mirandés)

Primaberas que tárdan, beranos que scáldan


Segredos de l eimbierno abierto als quatro aires
éntram primabera afuora i nun hai quien ls detenga.
Sbolácia la gelada anriba ls gromos de ls freixos,
la niebe cubre ls chougarços cumpridos, prontos a parir.
La cereijeira ancosta l´oureilha a la pereira
i percura-le por malzina para sigurar la brancura
que stá quaije a assomá-se.
La pereira diç-le: Se quieres que l tou burmeilho
sirba de pecado a quantos uolhos pássen,
tenes que sustener ls puxos de la pariçon. 
Hai aires que scadárçan ls sentidos,
cáien ls frutos por le habéren cortado las bides
mui rente als ambeligos,
nubrineiros que cunfúnden ls mirares de las flores
acabadas d´abrir,
segredos dun tiempo que naide ye capaç de çcubrir.

Primaberas que tárdan, beranos que scáldan.


r

terça-feira, 29 de março de 2016

Quando me dizes, poema


Quando me dizes mar, poema,
dizes-me vaga em mar alteroso.

Não me digas assim, poema!
Pois tu não sabes que o meu nadar 
é feito de frágeis braçadas, 
respiração descompassada, 
braços e pernas desatentos,
corpo inábil, 
na iminência de afundar.

Se me quiseres dizer, poema, 
diz-me rio, 
apressado
ou calmo, 
vadio, 
ou constante,
esticando com suas águas, 
as ervas que lhe são margens, 
ou dormindo sobre os seixos 
que lhe são leito e
no espelho beijando o céu.

Diz-me também ribeiro,
apressado, 
à beira do precipício, 
suspensa a respiração, 
arrepios na espinha, 
e o abraço a dar-se,
o remoinho a formar-se, 
uma força a sugar
toda a espuma em alvoroço 
e aí sim, 
na loucura do rio, 
eu serei vaga alterosa, 
envolvente, 
apaixonada, 
sem pé 
nem chão.

sexta-feira, 25 de março de 2016

O poema inacabado



Tento segurar  o poema inacabado
e agarro-me às silvas,
ainda que saiba que as mãos ficarão rasgadas
e as pernas trémulas do medo
da fragilidade das hastes
perante o meu peso.
Procuro numa mirada rápida um arbusto
que me sugira ser mais robusto,
mas nada vejo.
Penso: Terá que ser o silvado 
a livrar-me da queda
no chão rochoso do despenhadeiro. 
Assim,
tomo-o como um amigo verdadeiro,
aperto  com força
e ele
tudo faz para me manter o brilho na voz,
a lua no olhar
e, nas mãos
o poema continuará
por  acabar.

terça-feira, 15 de março de 2016

Habitas numa rua de olhos tristes


Habitas-me no olhar mesmo em reflexo
e ouço o barulho da bengala,
surdo, frouxo,
a bater contra as agruras do granito,
duro, incerto,
o mesmo que galopaste nos tempos,
em que no teu olhar habitavam lírios
e no teu corpo floriam girassóis.
Habitas-me no peito em imensidões,
mais do que savanas,
em cores de picadas ocres e vermelhas.
Habitas-me,
mesmo que à mesa o teu prato esteja imaculado,
muito menos que a tua voz doce,
muito menos que a bondade do teu coração,
muito menos do que tu
e muito menos que tudo a que não demos voz.
Habitas numa rua de olhos tristes…


15.03.2016

quarta-feira, 9 de março de 2016

Uma Mulher entre tantas...


Marcou-te a vida o rosto.
O trabalho as mãos
No coração
há resquícios de desgosto, 
à mistura com perdão

Menina 
foste tão pouco, 
por falta de tempo de ser... 
Trabalho, choros, canseiras, 
embrulhados em brincadeira 
que mal conseguiste ter

Mãe, 
cresceste comigo, 
dando-me a teta na ceifa, 
quente, tão quente que ardia, 
no meu corpo pequenino, 
na sombra sempre fugidia, 
do carvalho ou do freixo

Enrolas os feijoeiros 
com sonhos que desenrolaste, 
olhas e tens agora medo,
dos caminhos que trilhaste, 
Apoias-te ao meu aconchego, 
contas dias, somas dores, 
sentes ainda alguns desamores,
de injustiças que te fizeram

Está o teu olhar sereno, 
quase a esboçar um sorriso, 
estão as mãos em desassossego,
o corpo quase que ri.
Fitas-me como que a dizer, 
ainda bem que te pari!

A ti mulher/mãe/menina
8/03/2016

domingo, 6 de março de 2016

Amizade, poemas, palavras - Apresentação do livro Gritos, Ecos e Silêncios, de Adelaide Monteiro, na CTMADL









Há dias em que uma pessoa rebenta de contentamento…
Nada é mais importante neste mundo do que a amizade, ter amigos que ao olhar-nos nos dizem: o que se passa hoje? Não estás bem; ou fica-te tão bem essa flor no cabelo! Mesmo que nos sintamos desajeitados e a ocupar demasiado espaço, as palavras dos amigos fazem com que nos sintamos umas estrelas.
No passado dia quatro, António Cangueiro apresentou o meu livro nesta casa, duma forma sábia e perfeita. No começo, quando disse umas palavras sobre Amadeu Ferreira e leu um poema da sua autoria, em mirandês, as lágrimas começaram-me a nascer.
É um poema que bem podia ter sido escrito para mim, pensei. Recordo o verso, “das rosas, guarda o perfume”.
Bem poderia ter sido escrito para mim, disse eu. O meu livro tem alguns poemas que lhe dediquei, a maioria escritos desde que adoeceu. Muito mais lhe dediquei desde que partiu, mas não estão neste livro, disse, depois de ter lido o dito poema, em português.
Senti um nó. Depois, respirei fundo duas ou três vezes e o vazio foi-se enchendo à medida que o apresentador ia falando. Uma cebola, dizia ele: umas vezes a abrir-se, casco a casco, a fazer chorar quem dela se ocupa para fazer o guisado, desencanto, raiva, revolta, para logo depois voltar ao centro da cebola: força, serenidade, amor, erotismo; outra vez, casco por casco.
Frases saídas dos poemas, umas flores a saltar dos olhos do seu dizer, a língua mirandesa a pular de contentamento por se estar a fazer ouvir, uma sala cheia, atenção redobrada para tudo entenderem, na língua que não conhecem mas minimamente entendem, pois pediram que fosse em mirandês. Uma palavra ou outra, o António repetia-a em português, por lhe faltar semelhanças.
Depois foi a minha vez de falar para os meus amigos: amizades desde a infância e da juventude, outras das “ terras do pôr do sol vermelho e trovoadas”, Moçambique; outras nascidas ao longo dos anos, no trabalho ou fora dele; outras que o mirandês fez nascer. Se por mais não fosse, valeu a pena este encontro, pois revi amigos que não via há anos. Outras amizades nasceram nessa tarde.
Em frente, a Praça de Touros transmite-nos calor através das sua cor tijolo, quente, bem precisas para o dia escuro e frio, umas vezes com pequenas abertas entre nuvens, outras, a chover.
Antes das seis as pessoas começaram a subir ao terceiro piso, degrau a degrau, daquele prédio antigo com elevador mas que só transporta quem tiver a chave que o faça mover-se.
Os carros buzinam nas ruas molhadas, e, em filas são como chichos em chouriças. Primeiro por ser hora de ponta, segundo por causa da chuva e de ser sexta-feira e para pior, molhada.
Abraços, beijinhos, conversas entre amigos e aos poucos a sala foi-se enfeitando de gente, a ocupar todos os lugares nas mesas redondas.
Elsa Moreira, responsável pela cultura, na Casa, começou por nos apresentar,
Fez-se silêncio na sala. Lá fora, os carros buzinam, a água bate nas janelas. O António começou a abrir os cascos da cebola e, mais nada se ouviu.
Eu, à medida que ia mostrando a estrutura do livro, fui lendo um poema de cada capítulo. Seguiu-se a Bina Cangueiro que com a sua pronúncia perfeita, sempre encanta, e o Leonardo. Leram ambos em mirandês. A Cremilde Esteves e a Romana, leram em português. Aplaudidos sempre.
Seguiu-se “ o Vinho do Porto” e algo mais, para que não caísse em fraqueza.
Era hora de jantar.
O Palácio Galveias, ali ao lado, não deu conta de que outra língua oficial fazia eco tão perto. Temos que oferecer livros em mirandês à sua Biblioteca, porque, seara que não se semeia, dela não se espere colher grão…
- Amisade, poemas, palabras
- Apersentaçon de Bózios, Retombos i Siléncios, na Casa de Trás ls Montes de Lisboua
Hai dies que un nien nel cabe, de tan cuntento star…
Nada ye mais amportante neste mundo que l´amisade, que tener amigos a mirar ne ls nuossos uolhos i a dezí-mos: que se passa, hoije? Nun stás bien; ou que bien te queda
essa flor ne l pelo!
Anque un se sinta que nien un aternate a acupar mais campo que debie, las palabras de ls amigos fázen cun que un se sinta ua streilha…
L atrasado die quatro, Antonho Cangueiro apersentou l miu lhibro, Bózios, Retombos i Siléncios, na Casa de Trás ls Montes de Lisboua, dua maneira tan sábia i porfeita, que ne l ampeço, quando dixo uas palabras subre Amadeu Ferreira i liu un poema del, an mirandés, las lhágrimas ampecórun-me a nacer.
Ye un poema que bien poderie tener sido screbido para mi, penso. Recordo l berso, “de las rosas, guarda l oulor”.
.Bien podie tener sido screbido a pensar an mi, dixe you. Ten l miu lhibro alguns poemas que screbi para el, l mais deilhes screbidos çque se achou malo. Muitos mais screbi, apuis que mos deixou, mas nun stán neste lhibro, dixe, apuis de haber lido l tal poema an pertués.
Senti un nuolo. Apuis resfolguei fondo dues ou trés bezes i l uoco fui-se anchendo al modo que l apresentador iba falando. Ua cebola dezie el: uas bezes a çcascá-se casco por casco, a fazer chorar quien deilha s´acupa pal guisote: zancanto, raiba, rebuolta, para lhougo apuis ir al centro de la cebola: fuorça, serenidade, amor, eirotismo; outra beç casco por casco. Frases salidas de ls poemas, uas flores a saltar ne ls uolhos de l sou dezir, la lhéngua mirandesa a poular de cuntenta por se star a fazer oubir, ua sala chena, atençon al drobo para todo oubíren na lhéngua que nun sáben mas que anténden, puis fúrun eilhes mesmos que la quejírun oubir. Ua palabra ou outra, Antonho repetie an pertués, quando, por nun tener asparecéncias cun l pertués, nun serie antendida.
Apuis fui you a falar para ls mius amigos. Amisades que yá bénen de la nineç i jubentude, alguas deilhas; outras, de las “tierras de çponeres burmeilhos, de atronadas” , Moçambique; outras, nacidas al lhargo de ls anhos, ne l trabalho i fuora del; outras que l mirandés fizo nacer.
Muitos amigos yá nun ls bie bai para un par d´anhos.Solo por isso baliu la pena haber screbido l lhibro, para star cun eilhes, pals abraçar…Outras amisades nacírun nessa tarde.
Delantre, la Praça de Touros trai-mos la calor atrabeç de las sues quelores de tejolo, calientes, bien precisas pal die scuro i friu, uas bezes cun sol a salir an racicas antre nubres, outras, a chober.
Un cacho antes de las seis de la tarde ampeçórun las pessonas a chubir al terceiro piso, scaleira a scaleira, daquel prédio antigo cun eilebador mas que só lhieba quien tenga la chabe pal fazer salir de l sítio. Ls carros nas rugas molhadas apítan i, an correlinas son que nien chichos an chouriça: a la ua, por ser hora de salir, a la outra, porque ye sesta i inda porriba, molhada.
Abraços, beisicos, cumbersas antre amigos i a pouco la sala fui-se anfeitando cun las pessonas a acupar todos ls lhugares nas mesas redondas.
Elsa Moreira, repunsable pula Cultura de la Casa, ampeçou a falar i apersentou-mos, a mi i al apresentador de l lhibro, Antonho Cangueiro. Fai-se siléncio na sala.
Fuora, ls carros apítan, l´auga bate nas jinelas. Antonho ampeçou a abrir ls cascos de la cebola i, a mais nada se dou fé.
You, al modo qu´amostrei l spinaço de l lhibro, fui lendo un poema de cada capítulo. Seguiu-se Bina Cangueiro que cun aqueilha pernúncia guapa, siempre ancanta i Lionardo, lírun an mirandés, Cremilde Estebes i Romana, an pertués. Todo mundo daba palmas.
Seguiu-se “l Bino Fino” i algo mais, para que nun caísse an fraqueza. Éran horas de ciar.
L Palácio Galveias, eilhi a la borda, nun se dou de cuonta, que outra lhéngua oufecial fazie eilhi retombo, bien acerquita… Hai que dar uns lhibricos an mirandés a la sue Biblioteca, porque, senara que nun se semeie, nun puode granar…
Adelaide Monteiro

Uma imensidão




Há uma imensidão de mar
entre o vermelho do crepúsculo
e o alvorecer dos sonhos
quando de olhos fechados te vejo
içando velas,
endireitando o leme,
levando o veleiro ao cais.


Há uma imensidão de crepúsculo
dizendo adeus ao meu adeus
quando o dia me morre nos dedos
e a lembrança se me atiça
nas silhuetas dos montes
onde me nascem poemas,
onde sinto o eco das águas
da ribeira em suicídio,
nas escarpas dum vale fundo
e me chegam ecos da canção.

E mais imensidão…
A aurora a despontar…

O rio a lançar-se ao mar,
o rouxinol a cantar
o salgueiro a balançar,
a ribeira a transbordar,
a espera, o rio,
espuma, ondas,

espasmos, cio…

terça-feira, 1 de março de 2016

Às ervas que sempre ervas verdes, serão...

BILINGUE
A las yerbas
que siempre yerbas berdes,
hán-de ser…


Yerba,
flor de chougarço i temielho,
medrados ne ls granicos de puolo i tierra
cun que fazies l mundo,
paixarico cun çubiaco i a cantar,
flor a beisar.
Stan las faias de las arribas
hoije mais sgúbias;
anque nun las quejisses ber cun uolhos tristes,
slhagrimonórun pula nuite anteira.
L zimbro medrado na peinha,
a quemer puls spinos,
stá hoije algo mais drobado,
algo mais triste,
anque quando por el passabas le dezísses:
Nada nien naide te bote abaixo,
tu sós la fuorça d´ampossibles,
la fuorça de la natureza an sous lhemites!
L mesmo riu,
las tues palabras
an retombos nas arribas...
A ti, Amadeu
1-03-2016


Erva,
flor de chougarço e tomilho,
medrados nos grãos de pó e terra
com que fazias o mundo,
passarinho
a fazer ninho i a cantar,
flor a beijar.
Estão os penhascos das arribas mais molhados;
mesmo que não os quiseses ver com olhos tristes,
choraram a noite inteira.
O zimbro medrado na peinha,
a alimentar-se pelos espinhos,
está hoje um pouco mais curvado,
um pouco mais triste,
mesmo que ao passar lhe tivesses dito:
Nada nem ninguém te derrube,
tu és a força dos impossíveis,
a força da natureza em seus limites!
O mesmo rio,
as tuas palavras em ecos nas arribas...
A ti, Amadeu Ferreira, um ano depois
1/3/2016

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

A tua primeira mala

(Imagem da net)

A tua primeira mala de viagem não era de cartão.
Meteste lá coisa pouca: vestuário velho, outro novo, uns sapatos de pele de bezerro feitos pelo sapateiro de Sendim, uma mão cheia de timidês, outra menos cheia de sonhos. Ninguém pode ter grandes sonhos quando os horizontes nada nos desvendam. Mesmo assim, acho que eras muito sonhadora. Os teus sonhos tinham uma passada pequena, isso sim!
Coisa pouca, cabe numa pequena mala de madeira. Era vermelha com uma ferragem forte, negra, onde encaixava a fechadura. Junto à ferragem uma asa pregada com pregos. Uma autêntica caixa de ferramentas. Pintade de vermelho, ligeiramente rectangular, linda.
As camisas de noite foram posteriormente mandadas fazer à pressa, depois de a tua mãe ter recebido o recado de que na cidade não se dormia com a combinação usada durante o dia. Chegaram tempos depois, o tempo de comprar o tecido na feira e a tia Clementina as fazer na máquina de costura. Éram de franela com flores. Duas mudas de camisas de dormir e combinações porque o inverno estava para chegar. Uma combinação igual a cada camisa, que, cortando duas peças do mesmo pano, sempre se poupavam uns centímetros de tecido que ainda poderiam dar para fazer um par ou dois de cuecas.
Chegaram quando a tua mãe arranjou portador que fosse a Miranda, num saco de retalhos, apertadas contra a fogaça de trigo, dentro duas alforjes de bolras, em cima duma burra.
Mesmo que tivesses visto aviões, aquelas pontinhas reluzentes a deitar fora riscos de fumaça, a passar entre as núvens ou a cortar o céu limpo, houve um tempo em que dizias que ias para o Brasil, com a Virgínia, na burra ruça da avó Ana. Parece-me que não te pareceu verdadeira a história àcerca dos aviões, quando te contavam que lá iam pessoas.
A Virgínia partiu, mas a burra ruça nunca se aventurou a tal viagem.
De São Paulo mandou-te, anos depois, um lenço para a cabeça, que ainda guardas como relíquia, com outras coisas que igualmente estimas, numa caixinha de cartão. Nele foste dependurando sonhos, vaidades, desilusões, alegrias.
Hoje é apenas uma relíquia onde passas a mão quando vais ver se entrou a traça na caixa. É tão macio quando o encostas aos lábios! Cada vez que o olhas e lhe dás um beijo, é um beijo que dás à Virgínia, por te ter oferecido uma vaidade tão singela, tão suave.
A Virgínia já faleceu. O lenço está lá, a contar a história

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Cun piel de pita




Duolen-me ls dedos
a fuorça de ls querer andreitar,
cánsan-se-me las manos
de tanto las sfregar,
ancarambínan-se-me las palabras,
quédan-se coladas a la çancenhada
agarradas a la betoneira,
entra-me aire pula jabeira,
bai a salir a la camisola
i a la tabra de la chola.
Nun hai lhume
capaç de calcer esta frialdade,
nun hai risa
que me faga l peito bulhir
sou mais státua de carambelo
i la sola cousa que mexe
ye l pelo mais la çamarra
an piel de pita,
ua corriente que por mi cuorre
que quaijeque me fai tolhir
La lhuna a la nuite nada me diç,
l sol nien s´assoma para me sunrir,
l aire alhebanta-me las einaugas,
lhieba-me la gorra i l prefume,
trai-me auga i apaga l lhume,
l pouco que me restou,
de l restrolho que me quedou
dun berano que se me scapou.
Quando benirá febreiro
para me namorar a la ramalhada,
quando benirá márcio
i me medre la ferranha,
me traga la spiga abril
i que seia soalheiro,
maio me flura i me grane,
me caleça i me cunte
muitos anhos, anho a anho...
Tengo friu,
cumo yá tenerei palanho!...

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Janelas




Há janelas que nos levam o olhar para
longe,
outras nos dão apenas o espaço a um pestanejar.
Há janelas que nos vestem com reposteiros,
outras nos desnudam, ...
nos levam a horizontes de infinito.

Há janelas que são lua cheia
e nos fazem sonhar.
Há janelas que apenas moram
na beleza dum olhar…

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Numa gota de orvalho

                                   
 Quando a noite desce à minha mão
e acorda os fetos
que lá nasceram com a frescura do orvalho,
cresce em mim a vontade de beijar os rebentos,
de segurar as folhas,
de fechar as portas ao frio,
de abrir os braços à Primavera. 

 
Quando desce a noite à minha mão
 e me refresca a rosa e afaga os espinhos,
me espelha a face no cetim das pétalas,
e com as folhas me encera a tez,
ferve o vulcão, aquece o tempo
e cresce em mim o desejo de ficar
e de me abrir ao novo dia.
 
 
 
Imagem da net
                                               

 

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

Esta janela

Esta janela virada para o mundo foi aberta há sete anos. Faz hoje sete anos.

 Um dos meus primeiros quadros a óleo s/ tela. (Outra janela...)




Através dela muitos pássaros libertei,
muitas alegrias partilhei,
choros, risos,
gritos indecisos,
gritos fundos,
desejos recalcados,
libertinos,
sonhos de mulher e de menina.
Através dela,
fui mais longe,
viajei,
caí em mim e regressei,
tirei bilhete de ida e volta
no mundo da fantasia,
escrevi crónicas,
deixei voar poesia,
escrevi-me,
escrevi-te aqui e além,
tantas vezes não escrevi ninguém.

Sete anos se passaram,
muitos sonhos nasceram,
outras voaram,
sete grãos de pó sobre o meu rosto
a alimentar as raízes que nele se fixaram,
uma flor a crescer no meu olhar
um canteiro a florir,
um jardim sem folhas
que a primavera há-de vestir,
sete palmos de terra a cobrir,
outras amizade a nascer,
tantos poemas aprisionados,
tantos escritos e libertados
sempre que esta janela se abriu
nestes sete anos.


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