Acerca de mim

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Sintra/Miranda do Douro, Portugal
Gosto de pintar,de escrever e de fazer trabalhos manuais.Sou simples e verdadeira. Tenho que pôr paixão naquilo que faço, caso contrário fico com tédio. Ensinar, foi para mim uma paixão; escrever e pintar, continua a sê-lo. Sou sensível e sofro com as injustiças do Mundo. A minha primeira língua foi o Mirandês. Escrevo nessa língua no blog da minha aldeia Especiosa em, http://especiosameuamor.blogspot.com em Cachoneira de Letras de la Speciosa e no Froles mirandesas.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

ECOS ( I )

(Nada me ficou escrito nem gravado. Sabe Deus o quanto me penalizo!
Um sopro levou-te a meio duma história, das muitas histórias vividas no Sudão, uma sessão duma tarde, a última tarde.
Apenas ecos na minha fraca memória...
Em espírito, envolvo-me contigo nas tuas história reais, poucas, das muitas que contaste…Perdoa-me pelo muito que esqueci.)



Vagueio no silêncio dos meus sonhos, alma errante, por entre os teus mistérios que desperdicei com inutilidades.
Caminho descalça por trilhos de terra vermelha poeirenta que me pinta e me enche de paz.
Ousada, penetro nas matas densas onde a luz me chega filtrada e se projecta nos escassos espaços livres dum chão de capim, pontinhos luminosos que me guiam por túneis que tenho que abrir, cortando os ramos e a vegetação densa com a catana. Estou numa floresta equatorial onde nunca antes estivera mas que aprendi a conhecer pelas histórias que me contavas e pelas fotografias. Insegura, continuo caminhando, tão lentamente que cada som me parece uma eternidade. Não posso voltar para trás, seria fraqueza, irias ficar decepcionado com a minha prova iniciática na floresta do Equador, na República Centro Africana onde os elefantes são mais esguios e têm os dentes mais compridos e menos arqueados para poderem penetrar mais facilmente na floresta quase impenetrável. Também os pigmeus são habitantes dessa região, de estatura pequeníssima, adequada a essa floresta.
Uma ave grande assustada esvoaça; de susto o meu coração esvoaça também. Depois, uma clareira, um trilho seguido por um elefante que tudo demoliu com os dentes fortes para arranjar caminho onde coubesse aquele corpo gigantesco, fezes ainda a fumegar. Senti medo, muito medo. A minha espingarda era de munições pequenas, balas que nem chegariam para fazer cócegas ao animal.
Porque não me deste uma espingarda das tuas com munições capazes de abrir crateras??!! Disseste-me: É muito pesada para ti!... Porquê, se tu sabias que eu tinha força!?
Prossegui, não podia desiludir-te mas ao mesmo tempo estava chateada contigo por me teres abandonado.
Sempre foste escudo forte daqueles que te entregavam para orientar e proteger e, a mim, que afinal sempre me consideraste o teu tesouro, deixaste o teu tesouro entregue a todos os perigos daquela floresta equatorial.
Uma mamba verde injectou-me o veneno no corpo com uma picada. Estava quase morta com o veneno espalhado pelo sangue. Depois, apareceste com uma malinha de pronto socorro onde tinhas o antídoto que me injectaste sem que também tu tivesses tido tempo para desinfectar o orifício deixado pela seringa.
Choraste amargamente por não teres podido salvar. O veneno já me tinha feito um dano irreversível e o sistema nervoso central estava destruído. Morri.

Demos as mãos e partimos, vagueando por aquele paraíso que nos juntou. Deixámos a floresta equatorial e fomos para baixo, para a zona tropical, onde eu já tinha andado e onde me avivarás a memória das histórias que o tempo me esbateu.
Subimos á Serra da Gorongosa onde tu um dia encontraste fósseis de conchas enormes e ajudaste-me a procurar. Tu conhecias a minha inaptidão para encontrar achados, mas ainda assim, encontrei alguns fósseis.
Dizias tu: Vê lá que o mar já esteve aqui nesta serra! Sim, porque as conchas não são restos de piqueniques que possa ter havido aqui, são enormes e, para estarem fossilizadas, têm seguramente milhares de anos. Sempre foste curioso e muito observador, dizias que gostavas de ter estudado arqueologia.Quem me dera ter o teu sentido de observação, nisso não me saí a ti.
Andámos a percorrer os tandos de Manica e Sofala, entre manadas de búfalos e impalas saltitantes. Vimos leões e elefantes e ouvimos o canto de variados pássaros. Depois, errantes, subimos até o Zambeze onde fomos caçar crocodilos com um barco pequeno e, sendo noite, cada um de nós trazia um foco a pilhas na testa, seguro por uma correia à volta da cabeça. Enormes, com as bocas abertas mostrando os dentes sujos com restos de carne podre onde as bactérias saltavam e quase que podiam ser vistas a olho nú. Senti medo mesmo estando ao pé de ti...
Lembrei aquele episódio que me contaste em que um deles fechou as fortes mandíbulas no teu pulso quando caçavas nos isolados pântanos povoados de papiros e que só passados uns dias conseguiste de lá sair e percorrer depois os quatrocentos quilómetros de picadas e terra batida até chegar à cidade a conduzir o jeep só com um braço, carregado de febre e dores e que quase por milagre não te amputaram o braço. Ainda te estou a ver a cicatriz e ainda estou a imaginar a carne esponjosa amarelecida do braço até ao ombro. Mais umas horas e teria que te amputar o braço, disse-te o doutor Buller, teu amigo, quando chegaste à clínica de que era proprietário.
Ao imaginar esse episódio da tua vida, uma das muitas histórias que me contaste e contaste a todas as crianças com quem conviveste, os teus netos incluídos até sinto arrepios.
Sabes? Dizem-me todos quando me encontram que tu foste a pessoa mais importante no imaginário das suas meninices.
Tive medo quando o gigante com oito metros abriu a boca enorme e mordeu o barco. Pensei que iríamos naufragar e depois acabaríamos engolidos por um daqueles bichos horrendos.
Deste-lhe um tiro certeiro no centro do crânio e morreu de imediato. Depois, ataste-lhe uma corda por entre os dentes, enrolada no pescoço, ligaste o motor do barco e puxaste-o para a margem. A esse, outros se seguiram.
Deste-me a cama articulada de ferro e lona, a vinte centímetros de altura do chão, montaste um mosquiteiro por cima de mim e tu deitaste-te sobre o capim, exposto a todos os perigos e às picadas dos mosquitos.
Estávamos algures, junto à margem do Zambeze, entre Caia e Marromeu sem qualquer meio de comunicar que nos ligasse ao resto do mundo que não fosse o jeep.
Dormimos com o céu a servir-nos de tecto, a cacimba a cobrir-nos o corpo, os sons infindáveis da noite a embalar-nos o sono, as aventuras a espicaçar-nos os sonhos.

2 comentários:

  1. Menina Parabens gostei de ler o teu poema tambem escrevo e estou prestes a pblicar um livro com o titulo Silêncio dos meus sonhos, Sonhos esses que vagueiam pelas margens do rio douro, parabens a Sintra que conheço bem, mas parabens para Miranda do Douro que também conheço e parabens para a menina que escreve muito bem.
    Um beijo
    Santa Cruz

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  2. Obrigada pela força, Santa Cruz.
    Também eu vou publicar o meu primeiro livro de poesia em Mirandês, a minha língua materna, "antre monas i sbolácios" ( entre bonecas e esvoaçares).

    Um abraço,

    Adelaide

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