Acerca de mim

A minha foto
Sintra/Miranda do Douro, Portugal
Gosto de pintar,de escrever e de fazer trabalhos manuais.Sou simples e verdadeira. Tenho que pôr paixão naquilo que faço, caso contrário fico com tédio. Ensinar, foi para mim uma paixão; escrever e pintar, continua a sê-lo. Sou sensível e sofro com as injustiças do Mundo. A minha primeira língua foi o Mirandês. Escrevo nessa língua no blog da minha aldeia Especiosa em, http://especiosameuamor.blogspot.com em Cachoneira de Letras de la Speciosa e no Froles mirandesas.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

E, fui bebendo

Inspirei fundo, uma, duas vezes,
sei lá eu as que seriam
com a avidez de quem tudo quer respirar,
sem que uma molécula de oxigénio sobre
da doçura do aroma...
Tília florida no mês de Junho,
respirei-te o corpo e os cabelos,
as folhas, o tronco,
suguei-te o néctar doce das flores.
Bebi-te em chá no Inverno, a escaldar,
adoçado com mel,
na penumbra da lareira acesa,
produzindo uma batalha de centelhas...
Respirei fundo, uma, duas vezes,
sei lá quantas;
sustive e,
fui bebendo...

terça-feira, 27 de abril de 2010

Nos meus olhos...


Faz florir flores nos meus olhos
Faz-mas espreitar na lapela
Nos cabelos quero aos molhos
Com flores sinto-me mais bela

Quero as do campo floridas
Gosto delas, são singelas
Grinaldas de margaridas
Colares das mais amarelas

Criadas no teu jardim
Nos meus olhos, qualquer flor
Rosas,cravos ejasmim
Atadas com teu amor

Passo a passo

Passo a passo te caminho
Passo a passo sigo em frente
Passo a passo me demoro
Num passo que eu aguente

Passo a passo...
Passo a passo vou andando
Com os meus passos já débeis
Em dias que me vão voando

Passo a passo assaz pesado
O longe se fez à porta
Neste camino não andado
Onde a cozinha é a horta

Passo a passo, um passo dado
E dizê-lo não resisto
Com o passo tão apressado
Como é que cheguei a isto!?

Chegaste e chegou o tempo
De lá em direcção a cá
Mas se aqui já tu chegaste
É porque o tempo, passos te dá...

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Perfumes da madrugada


Nem sabes quanto te adoro Primavera, quando na madrugada te recebo no jardim orvalhado.
Chega-me a luz do candeeiro lá de fora, misturada com uma luz difusa da aurora, ténue, muito discreta, quase noite.
Caminho pelos passeios sonâmbula, daquele acordar fora de horas. Vou seguindo perfumes, reconhecendo tudo como se fosse um cego e tudo fosse tateando: Esta é a roseira de rosas vermelhas, aquela a de cor do chá, a outra ali é grená e a outra à frente cor de coral.Mal distingo as cores a esta hora.
Aproximo-me da laranjeira com suas flores de cera, cândidas, perfume doce intenso quando misturado com o jasmim de flores brancas e frágeis que por ela trepou.
Sigo os goivos e quase que me estonteio com perfume exagerado de tão intenso à noite.
As glicínias já perderam as flores e delas brotam ramos verdes, dançando com a brisa, como se fossem esmeraldas no peito de bailarina.
Tude dorme: as abelhas deram descanso às flores e, o despertador dos pardais ainda não tocou, àquela hora precisa. São eles que dão o arranque ao ruído do dia.
Onde será que dormem as abelhas? Será que têm uma colmeia por perto? Os pardais são vizinhos ali na árvore de maior copa, em frente.
Tudo dorme excepto nós, eu e os rouxinois. Eu aos ziguezagues sonambula, eles, despertos. Às vezes penso que os rouxinois não dormem; oiço-os todo o dia e, de noite quando me deito e quando acordo, mantem-se a melodia.
São três ou quatro, repartindo os sons pelo espaço, uns aqui ao lado numa árvore, outros mais distantes. Respondem aos cantares sem sobreporem as vozes como se estivessem a cantar à desgarrada.
Sento-me num banco, a cadela observa-me e mantem-se em silêncio. Junto dela sinto mais segurança nas madrugadas em que deambulo pelo jardim, quando, depois de poucas horas de descanso, acordo sempre à mesma hora, tal e qual como os pardais.
Ouço, atenta a todos os sons como se estivesse a ouvir uma orquestra filarmónica com uma infinidade de instrumentos cada um com o seu som característico.
Assim são os rouxinois, uma orquestra com vários instrumentos, uns com sons tristes, outros alegres.
Ali estou, enroscada no roupão suave de veludo. É sempre fresca a madrugada em Sintra.
Antes do dia clarear vou-me deitar, talvez o sono regresse e, em sonhos continue a ouvir os rouxinois...

Em mim imerso...

Porquê que no meu peito
se formam reservas de água,
ribeiros deslizantes face abaixo,
jorros quase a sufocar-me!!???
Ah como eu queria ser mais forte,
como eu queria
que o mar que vive em mim
se evaporasse,
se transformasse em núvens brancas,
castelos em formas diversas
para delícia das crianças,
de olhar livre,
mente ocupada
construindo histórias
a partir de nada.
Ah, eu queria ser mais liberta,
e porque não criança
para com ela subir às núvens
mesmo que não de verdade!
Mar, mar!...
Mar que em mim imerges,
e me inundas até ao topo...
Ah oceano verde,
onde em sonhos navego,
envolvido nas tuas ondas,
leva contigo o meu mar...

domingo, 25 de abril de 2010

A MULHER E A POESIA- Alfonsina Storni

Frente ao mar



Oh, mar, enorme mar, coração feroz
de ritmo desigual, coração mau,
eu sou mais tenra que esse pobre pau
que, apodrece em tuas ondas, prisioneiro.

Oh, mar, dá-me a tua cólera tremenda,
eu passei a vida a perdoar,
porque entendia, mar, eu me fui dando:
“Piedade, piedade para o que mais ofenda”.

Vulgaridade, vulgaridade que me acossa.
Ah, compraram-me a cidade e o homem.
Faz-me ter a tua cólera sem nome:
já me cansa esta missão de rosa.

Vês o vulgar? Esse vulgar faz-me pena,
falta-me o ar e onde falta fico.
Quem me dera não compreender, mas não posso:
é a vulgaridade que me envenena.

Empobreci porque entender aflige,
empobreci porque entender sufoca,
abençoada seja a força da rocha!
Eu tenho o coração como a espuma.

Mar, eu sonhava ser como tu és,
além nas tardes em que a minha vida
sob as horas cálidas se abria…
Ah, eu sonhava ser como tu és.

Olha para mim, aqui, pequena, miserável,
com toda a dor que me vence, com o sonho todos;
mar, dá-me, dá-me o inefável empenho
de tornar-me soberba, inacessível.

Dá-me o teu sal, o teu iodo, a tua ferocidade,
Ar do mar!… Oh, tempestade! Oh, enfado!
Pobre de mim, sou um recife
E morro, mar, sucumbo na minha pobreza.

E a minha alma é como o mar, é isso,
ah, a cidade apodrece-a engana-a;
pequena vida que dor provoca,
quem me dera libertar-me do seu peso!

Que voe o meu empenho, que voe a minha esperança…
A minha vida deve ter sido horrível,
deve ter sido uma artéria incontível
e é apenas cicatriz que sempre dói.

Frente Al Mar
Alfonsina Storni


Oh mar, enorme mar, corazón fiero
De ritmo desigual, corazón malo,
Yo soy más blanda que ese pobre palo
Que se pudre en tus ondas prisionero.

Oh mar, dame tu cólera tremenda,
Yo me pasé la vida perdonando,
Porque entendía, mar, yo me fui dando:
«Piedad, piedad para el que más ofenda».

Vulgaridad, vulgaridad me acosa.
Ah, me han comprado la ciudad y el hombre.
Hazme tener tu cólera sin nombre:
Ya me fatiga esta misión de rosa.

¿Ves al vulgar? Ese vulgar me apena,
Me falta el aire y donde falta quedo,
Quisiera no entender, pero no puedo:
Es la vulgaridad que me envenena.

Me empobrecí porque entender abruma,
Me empobrecí porque entender sofoca,
¡Bendecida la fuerza de la roca!
Yo tengo el corazón como la espuma.

Mar, yo soñaba ser como tú eres,
Allá en las tardes que la vida mía
Bajo las horas cálidas se abría…
Ah, yo soñaba ser como tú eres.

Mírame aquí, pequeña, miserable,
Todo dolor me vence, todo sueño;
Mar, dame, dame el inefable empeño
De tornarme soberbia, inalcanzable.

Dame tu sal, tu yodo, tu fiereza.
¡Aire de mar!… ¡Oh, tempestad! ¡Oh enojo!
Desdichada de mí, soy un abrojo,
Y muero, mar, sucumbo en mi pobreza.

Y el alma mía es como el mar, es eso,
Ah, la ciudad la pudre y la equivoca;
Pequeña vida que dolor provoca,
¡Que pueda libertarme de su peso!

Vuele mi empeño, mi esperanza vuele…
La vida mía debió ser horrible,
Debió ser una arteria incontenible
Y apenas es cicatriz que siempre duele.

Ainda sinto...

Ainda sinto...

Ainda sinto o frio
Da pobreza descalça na rua
Ainda sinto o calafrio
Daquela violência crua.

Ainda sinto o isolamento
A ignorância como bandeira
Porque o povo na ignorância
Sente a mentira verdadeira.

Ainda sinto a fome
Do pão guardado no saco
Duro que hoje ninguém come
Sem que o guarde em embaraço.

Ainda sinto as opressões
E as dores das correadas
Assim eram as educações
Sobre pessoas caladas.

Sinto no corpo um tremor
Não de frio mas de espanto
Que se esqueça um ditador
Dum povo que sofreu tanto!



Viva o 25 de Abril sempre!
Viva a força e a inteligência que o renove!

...Amortalhei-me

Não quero mais escrever!

Enrolo um grito mal parido
num poema que não devia nascer
que me há-de servir de mortalha.
Corro no fio da navalha
quase a cair para o abismo.
Deitada à pressa reparo
que, esvaída em sangue
tinha parido um poema gerado
numa relação desprotegida.
Indesejado poema,
porque te dei vida?!
Envergonhei-me
e com esse poema malfadado
depois de amarrotado
amortalhei-me...

Não quero escrever mais poemas,
hoje!!!!

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Mesmo que já seja Setembro


Entra-me a Primavera pela janela
vinda do jardim pintado de verdura,
flores de glicínias, goivos, jasmim e laranjeira,
cultivadas a primor,
regadas com a chuva;
mistura de cheiros,
uns à noite mais intensos,
outros de dia.
Por eles sou levada em sonhos
para jardins longínquos,
quiçá da Babilónia
onde te encontrei
e te perdi.

Queria falar-te da Primavera,
doce, a deslizar nos peitos
com cheiro a pão quente e maresia;
e das juras de amor
dos rouxinóis
que na árvore cantam
e se beijam
prosseguindo sempre a melodia.

Queria falar-te da Primavera
que vi nascer nos olhos da gaivota
e nos corais
que abrigam peixes
como tu tímidos
quando,
naquele dia ao mirar o Oceano
eu pensei no oceano dos teus olhos.

Queria falar-te da Primavera
que um dia me nasceu em Abril
e me fez livre;
da canção
poema a cheirar a cravos
a crescer num jardim de terra e húmus;
dos sonhos que me nasceram
e rego
todos os dias.

Queria falar-te da Primavera
sugada em cada morango,
em cada nuvem encastelada
e da ânsia de a não perder
com o sentir de beija-flor
a sugar o néctar
duma flor perfumada.

Queria falar-te de Primavera
mesmo que já seja Setembro...

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Mesmo o difícil de roer

Como a carne
Arrebanho o osso.
Mesmo o difícil de roer
Me satisfaz.
Como a fruta que me apraz
Largo os caroços
Menos o último
Que fica na boca a girar
E gosto
Daquele mexer de língua
A lamber, o caroço.
É como o palito, dá status...
Mas dos sapatos não gosto
Das botas é bom nem falar...
Bebo água, às vezes vinho
Às vezes embucho e,
Algumas há que engulo
Em seco e sem discurso.
Pego no osso com a mão
Aquele duro de roer
Porque mais dura é a razão
Que eu nunca quero perder...

...em mim!

Hoje procurei-me em todo o lado
e não me encontrei em nenhum lugar.
Procurei-me nos campos de trigo
da infância fugidia
sob o canto medorrento das cigarras
a morrer de sono na solidão dum ermo...
Da menina nem brincares me chegam!
Procuro-me na água de oceanos
de rios, riachos e fontes
nos cabelos soltos ao vento
nos lábios doces rosados.
Da jovem nem risadas me chegam!
Procuro-me na vida à pressa
nos partos em esperenças e em dor
nos rebentos que brotaram
e nos frutos do amor.
Da mulher nem ais me chegam!
Depois interrompo
por segundos o caminho
e em caminhada breve
me bastou o tempo
de um pertanejar
para depressa encontrar
a criança, a jovem e a mulher
numa só, dentro de mim!...

Hei-de...

Hei-de voltar
mesmo que no caminho me perca!...

Hei-de voltar à rocha lisa
onde rasguei roupas, gastei pés
livres como flores a florir Abril.
Mesmo que não te encontre,
rocha lisa do meu sonhar
hei-de escorregar por ti abaixo
e a custo voltarei a trepar.
Hei-de voltar...
Hei-de subir inocente
a resvalar-te a preceito
hei-de abraçar-te mulher
com a criança no peito.

Hei-de voltar
mesmo que no caminho me canse!...

Amigo

Podia falar-te de madrugadas que me escaparam debaixo dos pés como se o chão fosse de casca de banana e me tivesse estatelado.
Podia-te falar das guerras travadas entre os cantares constantes de grilhos e cigarras e que me ensurdeciam a infância solitária no fundo dum vale cravado de medos.
Podia falar-te das guerras que então não conhecia com o significado de guerras que hoje sei...
Só conhecia as guerras da História e, de tão distantes no tempo, para mim eram guerras de brincadeira, luta corpo a corpo como quando eu jogava à luta com as crianças da minha idade. O que ficasse por baixo e de lá náo conseguisse sair, perdia a luta.
Ao ler o livro de História, elegia o meu heroi, espicaçava-o para que vencesse. Com o decorrer da leitura às vezes o heroi era derrotado e, com essa derrota, eu sentia-me destroçada.
Depois passava para outra guerra e era mais uma desilusão ou mais uma glória, mas, fosse qual fosse o vencedor, não corria sangue nas minhas guerras.
Como eram inócuas as minhas guerras!...
Podia-te falar das guerras da minha alma na adolescência e dos tratados de paz que mais tarde assinei e das juras de desarmamento.
Podia falar-te das guerras que hoje avassalam o mundo sem que se compreendam as causas, se é que alguma vez se podem compreender as causas das guerras. Estas sim, são guerras cruéis, matando quem cálha, mesmo que esse alguém deteste a guerra e nela não estivesse a participar.
Sim, podia falar-te delas, destas guerras que já não são corpo a corpo, podia, mas não quero pelo muito que me doi!...
Ah, se eu pudesse assinar tratados de paz e obrigar a juras de desarmamento!
Desarmava a humanidade!...

sábado, 17 de abril de 2010

E, serei Primavera...

Entra-me em casa o perfume do jasmim
A trepar a laranjeira em flores alvas
Entra-me em casa o perfume das glicínias
Que cobrem o muro junto às malvas.
Entra-me a Primavera na alma
Através dum raio de sol que se esgueira
Por entre as nuvens que teimam em ficar
E lançam chuva, pingam goteiras.
Quero lavar-me nessa chuva de Abril
Borrascos caídos à pressa, águas mil
E perfumar-me com os odores
Que se misturam de mil flores
E, delicadamente me invadem o ar.
Áh Primavera, hei-de guardar-te
A sete chaves dentro do meu peito!
Ah odores frescos da minha quimera
Fazei-me sentir sempre Primavera!
Há-de chegar o Inverno frio e branco
Onde deitarei os ossos a doer pranto
E naquela insanidade e quimera
Hei-de sentar-me abeirada do meu berço
E serei Primavera...
No meu peito...

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Das quatro Estações

Hei-de escrever enquanto é tempo
Daquela Primavera que tão cedo me fugiu
Entre sonhos e labutas
Pés descalços a brincar
Até o toque das Trindades
Refrescando os suores serôdeos.
Quero escrever mas é tanto o que não lembro!
Hei-de escrever na corrida dos minutos
Dum Verão passado em sobressaltos
A lutar contra a fuga dos segundo
Perseguindo sonhos
Recebendo sorrisos
Espalhando saberes aos quatro ventos
E recebendo-os de todos, um a um.
Quero escrever mas é tanto o que não posso!
Hei-de escrever a pacatez dos dias
Deste Outono de folhas ocres
Neve nos cabelos camuflados de carvalhos
Ao cair das folhas rubras
Num frio que às vezes me arrepia
Quero escrever tanto...
Enquanto tiver o tempo...
Quero escrever mas é tanto o que me falta!
E quando chegar o Inverno dos nevões
E olhar para trás com nostalgia
Eu quero escrever com alegria
Das quatro Estações...

ECOS ( I )

(Nada me ficou escrito nem gravado. Sabe Deus o quanto me penalizo!
Um sopro levou-te a meio duma história, das muitas histórias vividas no Sudão, uma sessão duma tarde, a última tarde.
Apenas ecos na minha fraca memória...
Em espírito, envolvo-me contigo nas tuas história reais, poucas, das muitas que contaste…Perdoa-me pelo muito que esqueci.)



Vagueio no silêncio dos meus sonhos, alma errante, por entre os teus mistérios que desperdicei com inutilidades.
Caminho descalça por trilhos de terra vermelha poeirenta que me pinta e me enche de paz.
Ousada, penetro nas matas densas onde a luz me chega filtrada e se projecta nos escassos espaços livres dum chão de capim, pontinhos luminosos que me guiam por túneis que tenho que abrir, cortando os ramos e a vegetação densa com a catana. Estou numa floresta equatorial onde nunca antes estivera mas que aprendi a conhecer pelas histórias que me contavas e pelas fotografias. Insegura, continuo caminhando, tão lentamente que cada som me parece uma eternidade. Não posso voltar para trás, seria fraqueza, irias ficar decepcionado com a minha prova iniciática na floresta do Equador, na República Centro Africana onde os elefantes são mais esguios e têm os dentes mais compridos e menos arqueados para poderem penetrar mais facilmente na floresta quase impenetrável. Também os pigmeus são habitantes dessa região, de estatura pequeníssima, adequada a essa floresta.
Uma ave grande assustada esvoaça; de susto o meu coração esvoaça também. Depois, uma clareira, um trilho seguido por um elefante que tudo demoliu com os dentes fortes para arranjar caminho onde coubesse aquele corpo gigantesco, fezes ainda a fumegar. Senti medo, muito medo. A minha espingarda era de munições pequenas, balas que nem chegariam para fazer cócegas ao animal.
Porque não me deste uma espingarda das tuas com munições capazes de abrir crateras??!! Disseste-me: É muito pesada para ti!... Porquê, se tu sabias que eu tinha força!?
Prossegui, não podia desiludir-te mas ao mesmo tempo estava chateada contigo por me teres abandonado.
Sempre foste escudo forte daqueles que te entregavam para orientar e proteger e, a mim, que afinal sempre me consideraste o teu tesouro, deixaste o teu tesouro entregue a todos os perigos daquela floresta equatorial.
Uma mamba verde injectou-me o veneno no corpo com uma picada. Estava quase morta com o veneno espalhado pelo sangue. Depois, apareceste com uma malinha de pronto socorro onde tinhas o antídoto que me injectaste sem que também tu tivesses tido tempo para desinfectar o orifício deixado pela seringa.
Choraste amargamente por não teres podido salvar. O veneno já me tinha feito um dano irreversível e o sistema nervoso central estava destruído. Morri.

Demos as mãos e partimos, vagueando por aquele paraíso que nos juntou. Deixámos a floresta equatorial e fomos para baixo, para a zona tropical, onde eu já tinha andado e onde me avivarás a memória das histórias que o tempo me esbateu.
Subimos á Serra da Gorongosa onde tu um dia encontraste fósseis de conchas enormes e ajudaste-me a procurar. Tu conhecias a minha inaptidão para encontrar achados, mas ainda assim, encontrei alguns fósseis.
Dizias tu: Vê lá que o mar já esteve aqui nesta serra! Sim, porque as conchas não são restos de piqueniques que possa ter havido aqui, são enormes e, para estarem fossilizadas, têm seguramente milhares de anos. Sempre foste curioso e muito observador, dizias que gostavas de ter estudado arqueologia.Quem me dera ter o teu sentido de observação, nisso não me saí a ti.
Andámos a percorrer os tandos de Manica e Sofala, entre manadas de búfalos e impalas saltitantes. Vimos leões e elefantes e ouvimos o canto de variados pássaros. Depois, errantes, subimos até o Zambeze onde fomos caçar crocodilos com um barco pequeno e, sendo noite, cada um de nós trazia um foco a pilhas na testa, seguro por uma correia à volta da cabeça. Enormes, com as bocas abertas mostrando os dentes sujos com restos de carne podre onde as bactérias saltavam e quase que podiam ser vistas a olho nú. Senti medo mesmo estando ao pé de ti...
Lembrei aquele episódio que me contaste em que um deles fechou as fortes mandíbulas no teu pulso quando caçavas nos isolados pântanos povoados de papiros e que só passados uns dias conseguiste de lá sair e percorrer depois os quatrocentos quilómetros de picadas e terra batida até chegar à cidade a conduzir o jeep só com um braço, carregado de febre e dores e que quase por milagre não te amputaram o braço. Ainda te estou a ver a cicatriz e ainda estou a imaginar a carne esponjosa amarelecida do braço até ao ombro. Mais umas horas e teria que te amputar o braço, disse-te o doutor Buller, teu amigo, quando chegaste à clínica de que era proprietário.
Ao imaginar esse episódio da tua vida, uma das muitas histórias que me contaste e contaste a todas as crianças com quem conviveste, os teus netos incluídos até sinto arrepios.
Sabes? Dizem-me todos quando me encontram que tu foste a pessoa mais importante no imaginário das suas meninices.
Tive medo quando o gigante com oito metros abriu a boca enorme e mordeu o barco. Pensei que iríamos naufragar e depois acabaríamos engolidos por um daqueles bichos horrendos.
Deste-lhe um tiro certeiro no centro do crânio e morreu de imediato. Depois, ataste-lhe uma corda por entre os dentes, enrolada no pescoço, ligaste o motor do barco e puxaste-o para a margem. A esse, outros se seguiram.
Deste-me a cama articulada de ferro e lona, a vinte centímetros de altura do chão, montaste um mosquiteiro por cima de mim e tu deitaste-te sobre o capim, exposto a todos os perigos e às picadas dos mosquitos.
Estávamos algures, junto à margem do Zambeze, entre Caia e Marromeu sem qualquer meio de comunicar que nos ligasse ao resto do mundo que não fosse o jeep.
Dormimos com o céu a servir-nos de tecto, a cacimba a cobrir-nos o corpo, os sons infindáveis da noite a embalar-nos o sono, as aventuras a espicaçar-nos os sonhos.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Se eu te pudesse amar

Se eu te pudesse amar
Com as dores de que padeço
Sem tino
Sem medida
Sem medo do que tu escondes
Meu mar.

Se eu te pudesse amar
Com o frio que me corre nas veias
De fogo as encheria
Para ver se no corpo corria
O sangue para em ti nadar.

Se eu te pudesse amar
Com o tempo que não tenho
Num relógio sem ponteiros
Esse tempo contaria
Para em ti navegar.

Se eu te pudesse amar
Na cama fresca que estendes
Escrevia-te poemas
Para depois tos declamar.

Porquê que eu te digo isto
Se eu te amo, mar?!

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